Demolição de imóveis na Cidade de Deus gera revolta e confrontos

Ação aproveitou presenta de agentes envolvidos na Operação Ordo
17/07/2024 17:24
 | Fonte: Foto: © Tânia Rêgo/Agência Brasil
Foto: © Tânia Rêgo/Agência Brasil

Uma operação da prefeitura do Rio de Janeiro para demolição de 30 imóveis comerciais considerados irregulares gerou protestos na comunidade Cidade de Deus, na zona norte da capital. A ação, coordenada pela Secretaria Municipal de Ordem Pública (Seop), teve início na manhã desta quarta-feira (17). Moradores e comerciantes reclamavam não ter sido autuados ou notificados previamente. A Polícia Militar reforçou sua presença e houve confrontos.

As equipes da Seop chegaram ao local no início da manhã, aproveitando o apoio logístico e a presença de agentes de segurança pública envolvidos na Ação Estruturada Ordo, operação organizada pelo governo do estado na Cidade de Deus e em outras 13 comunidades. O objetivo é coibir o domínio territorial por traficantes e milicianos e asfixiar financeiramente os grupos criminosos. As ações da Seop ocorrem de forma paralela.

Em meio aos protestos, o ex-secretário municipal de Juventude do Rio de Janeiro Salvino Oliveira foi agredido. Pré-candidato a vereador pelo PSD, ele se deslocou para o local para acompanhar a situação. Imagens que circulam nas redes sociais mostram o momento em que Salvino se preparava para dar entrevista a uma emissora de televisão, quando um grupo de homens passou a empurrá-lo e desferir socos contra ele. Ovos também foram jogados em sua direção.

Em suas redes sociais, Salvino disse que foi ao local para tentar acalmar os ânimos, mas que as coisas estavam fora de controle. "Me avisaram de um tumulto na minha comunidade e, obviamente, fui tentar entender o que estava acontecendo. Violência não resolve nada. Ninguém sai ganhando com violência. Estou e estarei sempre ao lado dos moradores da Cidade de Deus. Vou, como sempre, ouvir os dois lados e encontrar uma solução que seja boa para os nossos moradores e pequenos comerciantes", escreveu.

O NGB News, um canal comunitário da Cidade de Deus, compartilhou em suas redes vídeos com entrevistas realizadas com comerciantes afetados. "Estou há 19 anos nesse ponto. É uma injustiça com nós que chegamos para trabalhar às 9h. Sequer falaram pra gente tirar as coisas. Tenho nota fiscal de tudo. Não houve notificação. Isso é ilegal. Ninguém aqui é vagabundo", criticou uma comerciante identificada como Fernanda.

Os protestos continuaram, e policiais militares entraram em confronto com os manifestantes. Houve disparos de balas de borracha e bombas de gás. A Rua Edgar Werneck, a Estrada Miguel Salazar e a Estrada do Gabinal, principais acessos à Cidade de Deus, foram interditadas. Moradores colocaram fogo em latões de lixo e outros objetos, e os usaram como barricada. Procurada pela Agência Brasil, a Polícia Civil informou que não houve até o momento nenhum registro de ocorrência na delegacia da área.

Os episódios geraram reflexos nos serviços públicos. Uma unidade de saúde interrompeu os serviços. Nove linhas de ônibus tiveram o itinerário modificado. A Rio Ônibus, sindicato das empresas que operam o serviço, informou ainda que um veículo que circulava na linha 614 (Del Castillo x Alvorada) foi apedrejado.

Operação Ordo
A Ação Estruturada Ordo chegou ao seu terceiro dia. Ações vêm sendo desenvolvidas desde segunda-feira (15) em dez comunidades. Nessa quarta-feira, foram incluídas mais quatro localizadas em Jacarepaguá, na zona oeste da capital: Covanca, Jordão, Santa Maria e Bateau Mouche. De acordo com o governo estadual, o avanço em novas áreas decorre das informações de inteligência da Polícia Civil.

Um balanço parcial foi divulgado contabilizando mais 50 prisões efetuadas até o momento. Além disso, ações miram desarticular negócios possivelmente ligados às organizações de tráfico e às milícias. Um lixão clandestino foi desmobilizado, e dois ferros-velhos sem licença para funcionar foram interditados. Também houve fiscalização contra transporte irregular.

Somente neste terceiro dia, seis pessoas foram presas pela Polícia Civil por fraude no fornecimento de TV a cabo e internet. De acordo com as investigações, foi estruturada uma central clandestina que ofertava os serviços a comunidades em Jacarepaguá, na zona oeste da cidade. Para ter exclusividade de operação, eram repassados mensalmente R$ 80 mil às organizações que coordenam o tráfico de drogas na região. Foram apreendidos equipamentos desviados de concessionárias, como cabos, modens e distribuidor de sinal.

"A Secretaria de Estado de Segurança Pública esclarece que o Batalhão de Choque da Polícia Militar atua, nesta quarta-feira, em apoio às ações de combate a construções irregulares realizadas pela Secretaria Municipal de Ordem Pública. Todas as ações estão sendo executadas dentro da legalidade e com respeito à população, com o objetivo de estabelecer o reordenamento urbano", acrescenta a nota divulgada pela pasta.

Demolições
Já a Seop confirmou ter concluído as demolições previstas na Cidade de Deus. De acordo com a pasta, havia diversas construções irregulares na Rua Israel, incluindo bares e restaurantes. "Os imóveis foram construídos em área pública, destinados a calçada e logradouro, obstruindo as vias, o que impede a passagem de veículos. Em outros dois pontos da comunidade, nas avenidas José de Arimateia e Cidade de Deus, os agentes identificaram várias construções beirando o rio e que estão impedindo os agentes da prefeitura de realizarem a limpeza, o que contribui para as enchentes na região e coloca seus ocupantes em risco", informa a pasta.

No mesmo dia em que desenvolveu as ações na Cidade de Deus, a Seop afirmou também ter retomado a demolição de quatro construções irregulares em uma área de luxo no bairro do Joá, na zona oeste do Rio de Janeiro. A iniciativa foi possível após a Justiça invalidar, na última sexta-feira (12), uma liminar obtida pelos proprietários que proibia a derrubada dos imóveis. De acordo com o município, eles não tinham nenhuma licença ou autorização para realizar as obras. A Seop estima que os proprietários tiveram uma prejuízo de R$ 4 milhões.