Governo federal vai mediar conflitos indígenas em MS e no PR

No último fim de semana ocorreram dois ataques no Mato Grosso do Sul
17/07/2024 08:33
 | Fonte: Foto: © Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
Foto: © Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

Representantes do governo federal deixaram Brasília e desembarcaram em Mato Grosso do Sul, nesta terça-feira (16). O objetivo das equipes dos ministérios dos Povos Indígenas (MPI) e dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) é “mediar conflitos fundiários” que culminaram em uma série de ataques contra indígenas que ocuparam áreas rurais reivindicadas como territórios tradicionais.

Segundo o Ministério dos Povos Indígenas, só no último fim de semana, ocorreram ao menos dois ataques a grupos guarani e kaiowá no Mato Grosso do Sul. A primeira ocorrência foi registrada no sábado (13), em Douradina, a cerca de 195 quilômetros de Campo Grande. O segundo caso aconteceu na Terra Indígena Dourados-Amambaipegua I, que abrange parte dos territórios das cidades de Amambai, Caarapó e Laguna Carapã, no domingo (14).

Conforme a Agência Brasil noticiou, ao menos um indígena foi atingido por um tiro, em uma das pernas, durante a tentativa de retirar os guarani-kaiowá da área conhecida como Panambi (GuyraKambi’y) – Lagoa Rica, em Douradina. Além disso, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), órgão vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (Cnbb), sustenta que uma jovem também foi atingida por um tiro na perna durante o ataque na Terra Indígena Dourados-Amambaipegua I.

De acordo com o MPI, a Terra Indígena Panambi-Lagoa Rica, em Douradina, foi delimitada pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) em 2011, mas três ações judiciais impedem que o processo demarcatório seja concluído e o território de 12,1 mil hectares destinado ao usufruto exclusivo indígena. Já os cerca de 56 mil hectares da TI Amambaipegua I, em Caarapó, foram delimitados em 2016, mas proprietários rurais contestam o processo, que segue em análise. Cada hectare corresponde aproximadamente às medidas de um campo de futebol oficial.

Em nota, a assembleia Aty Guasu, principal organização política e social das etnias guarani e kaiowá, afirma que a decisão de “retomar” parte dos territórios reivindicados como territórios tradicionais indígenas foi tomada “após longos anos de espera pela homologação e regularização de nosso território ancestral, sobrevivendo em barracos de lona, sem as mínimas condições de vida, e sofrendo ameaças e perseguições por parte do latifúndio que nos cerca”.

Já a Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul) manifestou preocupação com a escalada da violência, destacando que as recentes “ocorrências evidenciam a insegurança jurídica vivenciada há décadas no estado, resultante da falta de uma resposta definitiva, por parte do Poder Público, que garanta a pacificação no campo”. Segundo a entidade, que reúne 69 sindicatos rurais, há, atualmente, 146 propriedades “invadidas” em todo o estado.

“Mato Grosso do Sul tem um número expressivo de produtores rurais que, mesmo tendo adquirido seus imóveis de forma legítima e com posse pacífica exercida há mais de meio século, têm seus títulos questionados e suas áreas invadidas”, acrescentou a entidade em nota, na qual afirma defender, entre seus associados, a obediência irrestrita à lei e esperar uma resolução pacífica “tanto para indígenas quanto para produtores rurais”. “Por isso, refletimos na ausência de medidas equiparadas para os dois lados dessa questão, uma vez que todos os conflitos fundiários registrados em Mato Grosso do Sul são consequências de invasões de propriedades privadas”.

Sul
A missão conjunta dos ministérios dos Povos Indígenas (MPI) e dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) também se estenderá ao Paraná, onde indígenas que lutam pelo reconhecimento de seus direitos à posse de áreas que afirmam terem pertencido a seus antepassados também foram atacados a tiros.

Segundo o MPI, no início do mês, 22 famílias avá guarani que ocupam uma parcela do território já delimitado para dar lugar à futura Terra Indígena Guasu Guavirá, nas cidades de Guaíra, Altônia e Terra Roxa, próximas à fronteira com o Paraguai, se espalharam, ampliando a ocupação. De acordo com a pasta, isso aconteceu “porque a comunidade em que vivem já não comporta mais habitantes.”

“As famílias foram, então, alvo de ataques de ruralistas”, relatou o MPI, destacando que a presença de agentes da Força Nacional de Segurança Pública na região não intimidou os agressores. “Entre os feridos, um indígena foi baleado. Além da violência física sofrida pelos avá guarani, doações e entrega de alimentos foram impedidas de serem realizadas no local por ruralistas”.

Além de enviar representantes ao Mato Grosso do Sul e ao Paraná, os órgãos federais afirmam estar atentos aos conflitos fundiários envolvendo indígenas no Rio Grande do Sul. Segundo o MPI, em Pontão, a cerca de 320 quilômetros de Porto Alegre, indígenas kaingang sofreram dois ataques em menos de cinco dias. De acordo com o Cimi, os ataques começaram depois que famílias decidiram retornar para uma área próxima ao seu território originário.

“No dia seguinte à retomada, que começou no último dia 9, pessoas armadas passaram pela rodovia e atiraram em direção aos barracos que estão à margem da estrada, em um terreno público que pertence ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT). No fim de semana, homens atearam fogo em um veículo da comunidade indígena”, assegurou o MPI.

Marco Temporal
Em sua conta pessoal no Instagram, o secretário-executivo do MPI, Eloy Terena, publicou uma mensagem na qual afirma que “a instabilidade gerada pela Lei do Marco Temporal, além de outras tentativas de se avançar com a pauta [anti-indígena], como a PEC nº 48, tem como consequência não só a incerteza jurídica sobre as definições territoriais que afetam os povos indígenas, mas abre ocasião para atos de violência que têm os indígenas como as principais vítimas”.

Na mesma mensagem, o secretário garante que o ministério mantém constante diálogo com as Coordenações Regionais específicas da Funai, a Defensoria Pública da União (DPU), o Ministério Público Federal (MPF), lideranças locais e demais órgãos envolvidos “para apoiar os povos indígenas cujos direitos foram violados e evitar ainda mais violência”.