Com guerra entre Ucrânia e Rússia, preços do petróleo, trigo e milho disparam
Cotações das principais commodities agrícolas sobem, com investidores temendo escassez diante da invasão da Ucrânia pela Rússia. Trigo atinge maior valor em 14 anos, o que encarecerá do pãozinho ao macarrão
A guerra na gelada Ucrânia parece distante do cotidiano aquecido dos trópicos, mas os brasileiros começarão, em breve, a sentir na mesa e no bolso as consequências das aventuras megalomaníacas do presidente da Rússia, Vladimir Putin, no Leste Europeu.
Os preços do pãozinho, do macarrão, da carne e de muitos outros produtos alimentares, além da gasolina, devem ficar cada vez mais indigestos. Isso porque não é só o barril do petróleo que está voltando a patamares que pareciam ter ficado no passado, afetando os custos do frete e da energia. A consequência disso será mais inflação, que, no Brasil, está rodando na casa dos 10% ao ano.
Enquanto os tanques russos rumavam para Kiev, o petróleo disparava e o trigo, do qual o Brasil é extremamente dependente, chegou ao maior patamar em quase 14 anos. Os contratos futuros de trigo na Bolsa de Chicago, nos Estados Unidos, foram negociados, ontem, a US$ 9,84 por bushel (medida equivalente a 27,2 quilos), o preço mais alto desde abril de 2008, em meio aos temores dos comerciantes de interrupções prolongadas no fornecimento global de um dos principais produtos exportados pela Ucrânia. O milho registrou o maior patamar dos últimos 10 meses, com o mercado enfrentando a interrupção dos embarques do cereal na Ucrânia bem como o risco de que um conflito mais prolongado possa prejudicar os plantios de primavera no Hemisfério Norte.
Os contratos futuros do petróleo tipo Brent, negociado em Londres, encerraram o pregão cotados a US$ 104,97, com alta de 7,15% em relação à véspera, puxados pela guerra e pelo anúncio da Agência Internacional de Energia (AIE) de que serão liberados 60 milhões de barris dos estoques do produto.
Analistas lembram que as pressões inflacionárias não partem apenas dessas commodities. Os fertilizantes também devem ficar mais caros aqui, pois o agronegócio brasileiro importa grande parte desse insumo de Belarus e da Rússia. Em entrevista ao Correio publicada ontem, o embaixador da Belarus no Brasil, Sergey Lukashevich, admitiu que os embarques de matérias-primas para a produção de adubos já estão sendo impactados. O potássio bielorruso responde por 20% das demandas brasileiras pelo produto, segundo ele. "É agora impossível de ser entregue aos consumidores brasileiros porque a Lituânia, nosso vizinho, proibiu o trânsito do nosso potássio para o Brasil", disse.
Com isso, a tendência é de alta nos preços das commodities agrícolas não apenas no mercado externo. Logo, além do petróleo e do trigo, a soja e o milho — utilizadas na produção da ração animal —, o café e até o minério de ferro dispararam diante da expectativa de queda na oferta em geral se a guerra se prolongar.
Incertezas
Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos, lembrou que as incertezas para o mercado brasileiro neste ano já eram elevadas, com perspectivas de pressões no câmbio e muita oscilação na Bolsa de Valores, devido às eleições presidenciais de outubro, e com a perspectiva de alta dos juros nos países desenvolvidos. Agora, com a guerra na Ucrânia e Putin anunciando que pode acionar as armas nucleares, a tensão aumentou, o que será ruim para os mercados emergentes, que verão o dólar subir com os preços das commodities.
"Antes, essa possibilidade não era considerada e, a partir de agora, haverá uma inversão massiva do fluxo de capitais, deixando as economias emergentes em direção a mercados mais seguros. O Brasil pode até continuar tendo momentos de exceção positiva, mas com limitadores de alta", alertou Cruz. Segundo ele, os brasileiros vão sentir no bolso o impacto dessa incerteza maior nos mercados, porque a inflação continuará generalizada.
"A dona Maria e o seu João vão sentir o pãozinho mais caro nos próximos meses, porque o trigo está subindo direto e o petróleo, que é a base de quase tudo que é transportado no país, também", alertou o economista. No entender dele, diante da nova escalada dos preços, o Banco Central seguirá elevando a taxa básica de juros (Selic), atualmente, em 10,75% ao ano, até 12,25%. "A tendência é de pressão na inflação, e o BC não vai conseguir cortar os juros neste ano. A Selic ficará alta por mais tempo", afirmou.