Combate às desigualdades e erradicação da pobreza, da fome e da desnutrição foi o tema do painel organizado pelo Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO), em evento paralelo à reunião ministerial do grupo de Desenvolvimento do G20, na terça-feira (23/7) no Rio de Janeiro. Na véspera do lançamento da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, defendida pelo governo brasileiro, a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, e o ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias, falaram da recomposição das políticas públicas inclusivas no Brasil e dos desafios ainda presentes. Causas e saídas para a desigualdade, a fome e a pobreza foram abordados por participantes do painel.
“Quero começar a minha fala com duas palavrinhas: água e pão. Enquanto a ciência busca alternativas, vacinas, remédios para combater doenças, nós ainda temos milhares, para não dizer milhões de pessoas no planeta, morrendo porque não têm acesso a água potável ou mesmo água para tomar banho. Estamos falando basicamente de mulheres, especialmente de crianças, que muitas vezes brincam e pisam no esgoto todos os dias”, disse a ministra.
Tebet mencionou o poeta João Cabral de Melo Neto, que dizia que “fome é aquela que mata aos poucos todos os dias”, acrescentando que “não só mata aos poucos todos os dias, mas é capaz, infelizmente, de matar muitos todos os dias e milhões todos os anos.”
Diante desse cenário, a ministra lembrou que a inclusão dos pobres no orçamento foi a “única determinação” que recebeu do presidente Lula e defendeu, especificamente, duas políticas públicas: o Bolsa Família e a valorização anual do salário mínimo acima da inflação.
“Em apenas um ano e meio, o Brasil, fazendo seu dever de casa, retirou 24 milhões de brasileiros e brasileiras da situação de insegurança alimentar grave”, afirmou a ministra
Ela lembrou que ainda existem cerca de “60 milhões de brasileiros com algum tipo de insegurança alimentar” e que “a desigualdade é tão perversa que ainda escolhe gênero, idade, cor, raça”.
O ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias, declarou que a luta contra a desigualdade, a fome e a pobreza são temas que “não foram escolhidos por acaso, mas sim como uma resposta ao preocupante cenário mundial, agravado por múltiplas crises, incluindo a climática e ambiental, a econômica e diversos conflitos”.
“Há dois séculos, a renda dos mais ricos era 18 vezes maior do que a dos mais pobres. Hoje, a renda dos mais ricos é 38 vezes a dos mais pobres. Os 10% mais ricos do mundo detêm 76% da riqueza do planeta, enquanto os 50% mais pobres possuem apenas 2%. Mais de 700 milhões estão passando fome em um planeta que produz amplamente a comida necessária para o sustento de todos”, citou o ministro.
“No Brasil, hoje temos mais de 40 programas para promoção da dignidade nas áreas de habitação, medicamentos, energia e qualificação para o emprego e empreendedorismo, dentre tantos outros. Na prática, são 46 programas conectados ao Cadastro Único (CadÚnico), um banco de dados com informações socioeconômicas de mais de 95 milhões de pessoas de baixa renda. Essa gama de programas interligados com a participação e o controle social permitiu que vencêssemos a fome e reduzíssemos a pobreza abaixo da metade”, disse.
Desigualdade "hereditária" e necessidade de ações coordenadas
Organizado pelo Ministério do Planejamento e Orçamento em parceria com o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, o evento debateu causas e saídas para a fome a desigualdade a partir da apresentação de dois estudos.
O primeiro deles, chamado Desigualdade na América Latina e no Caribe: níveis, dimensões e um caminho a seguir, foi apresentado pela vice-presidente de Setores e Conhecimento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Ana María Ibáñez. Ela explicou que, em nove países pesquisados, entre 44% e 63% da desigualdade é explicada por fatores “herdados” dos pais. Ou seja, o status social e econômico vem da família.
Para reverter esse cenário, ela explicou que são necessários dois tipos de políticas. Primeiro, para o curto prazo, “políticas fiscais para aumentar as receitas e aumentar e melhorar os gastos”. Segundo, para prazos mais longos, educação, saúde e investimento em capital humano. “Se quisermos aumentar de forma sustentável o rendimento da população pobre, aumentar a produtividade e reduzir a desigualdade, temos de investir no capital humano", declarou.
Presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do Brasil (Consea) e membro do Painel de Especialistas de Alto Nível em Segurança Alimentar e Nutricional (HLPE-FSN) do Comitê de Segurança Alimentar Mundial (CFS), Elisabetta Recine apresentou o estudo Reduzindo as desigualdades para a segurança alimentar e nutricional.
O relatório traça diversas recomendações relacionadas, por exemplo, à produção alimentar, à cadeia de abastecimento, ao ambiente e ao consumo. Um dos pontos-chave, no entanto, é pensar em como ter uma governança que envolva diferentes partes interessadas para coordenar iniciativas.
“A ideia [do relatório] não é fazer o mesmo que já estamos fazendo. É claro que temos boas políticas, bons programas que dão bons resultados, mas enfrentamos agora uma situação muito complexa. Estamos vendo a combinação de crises e desafios, por isso precisamos também combinar políticas e reformas. Então, precisamos aprender a ter ações mais coordenadas, coordenando setores, coordenando orçamentos para ter resultados mais fortes. E, mais do que resultados fortes, precisamos de resultados sustentáveis”, disse.
Em seguida, também participaram do evento o presidente do Comitê de Segurança Alimentar Mundial e Embaixadora da África do Sul na Agência das Nações Unidas em Roma, Nosipho Nausca-Jean Jezile; o economista-chefe da FAO, Maximo Torero Cullen; e a diretora global de Política Social e Proteção Social do Unicef, Natalia Winder Rossi. “A desigualdade é um fenômeno socialmente construído e isto foi confirmado nas apresentações anteriores”, disse Nosipho, lembrando que o presidente Lula em seu discurso no G20 do ano passado, na Índia, explicou que "o que nos divide tem um nome: desigualdade".
Presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Luciana Servo afirmou que “a fome e a pobreza no Brasil estão diretamente ligadas às questões de gênero e raça”, por isso disse ser “fundamental que os compromissos internacionais de igualdade racial, igualdade de gênero, igualdade étnica, sejam transformados em compromissos efetivos pelo G20.”
Saneamento
A ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, também participou, na manhã de terça-feira, da sessão de abertura da Reunião Ministerial do Grupo de Desenvolvimento do G20, na cidade do Rio de Janeiro. O painel teve como tema a segurança hídrica. Tebet ressaltou a importância do tema, apontado pelo MPO como uma das prioridades do PPA 2024-2027.
“Pretendemos ampliar o percentual de domicílios urbanos abastecidos por água para 98,3% em 2027, ao passo que os domicílios rurais devem chegar a 78,7% no mesmo ano. Já o acesso de domicílios urbanos a rede de esgoto tem como meta atingir 87,7%, também em 2027”, afirmou a ministra.
Além do PPA, o Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) também traz, dentre seus eixos de investimento, o Água para Todos e o Cidades Sustentáveis e Resilientes. Estão previstos investimentos de US$ 5,5 bilhões na área de água, e US$ 4,5 bilhões para ampliação do acesso ao esgotamento sanitário.